domingo, 4 de dezembro de 2011

Olhar


         Cheguei a casa. A chuva cessara um pouco. O céu cinzento com suas nuvens carregadas, de onde soavam trovões compassados, fazia com que a hora já parecesse avançada. Cinco da tarde era na real.
         A rua estava enlameada, sendo inevitável sujar os pés de quem por ela passasse. Os mais prevenidos já andavam com seus guarda-chuvas abertos, para não serem pegos por águas inesperadas. Os filhos que acompanhavam as mães se encolhiam enquanto andavam, e olhavam assustados para a natureza que se manifestava.
        Da janela gradeada do meu quarto, eu via tudo isso em silêncio e quietude. Ao lado dela, meu oratório existia com algumas poucas imagens que eu, ora havia comprado, ganhado ou pedido com cara-de-pau.
         Acendi a vela votiva. Seu pavio já estava afundando em meio a cera lateral, por isso a luz era indireta e fraca. Rezei.
         Ao acordar de minha frágil beatice, olhei para o céu através das grades enferrujadas, tentando fugir de meus problemas pessoais, refugiando-me em terras distantes em que os heróis da minha infância habitavam nos seus castelos de sonho. Seus problemas e batalhas sempre pareciam fáceis de resolver, por isso eu os desejava para mim, junto ao fogo que não queimava e as feridas que não doíam.
        Então, voltei a realidade ao sentir uma gota de chuva que caiu no parapeito de mármore da janela e acabou por respingar em minha face. Ouvi conversas.
        Enquanto a chuva recomeçava com seus pingos escorrendo pelas telhas, fechei a janela e fui onde meus pais e minha irmã estavam.
        Passei pelo portão de ferro e senti em meu rosto a chuva, tendo em mim uma maravilhosa sensação de liberdade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Sonho

    Sonhos realmente revelam desejos íntimos. Aquilo que negamos durante o dia, nos aparece forte e incontrolável pela noite.
    Nossos medos, nossas alegrias, nossos segredos...
    O lado obscuro de todos que ninguém gosta de mostrar...


    Ela corria pelo bosque... Não sabia para onde, nem por que... Só sabia que devia correr...
    Até que ele apareceu. Seus olhos estranhamente mudados e sedentos de algo.
    Ela não teve medo. Ao mesmo tempo teve medo de não ter medo dele... Uma coragem subiu até a garganta... Andou até ele.
    -Sabia que você viria - disse ele em um meio sorriso.
    Os dois se beijaram e tudo se desfez como poeira...

 
   

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Anjo Guarda

            Eu estava na parada de ônibus há uns quinze minutos.
            Olhei pro sentido inverso e vinha um. Aquilo não me interessava já que ia para a faculdade e não pra Lagoa ver Iracema... Mas algo me disse: "olhe...".
            Uma garota desceu do ônibus. Daquelas donas de si, que desejava ver o mundo parar só para olhar pra ela... Inteiramente confiante começou a atravessar a pista sem olhar pros lados. Deveria, pois uma moto vinha em alta velocidade ao seu encontro.
            Estava rápido demais não dava tempo... Até que o prendedor de cabelo dela caiu, fazendo com que ela corresse pra apanhar e não ser apanhada pela moto...
            Se Anjo da Guarda existe ou não, tire suas próprias conclusões...

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Prólogo

        Ele caminhava por aquela ruazinha escura. 
        Deveria ter o máximo de cuidado para que não fosse visto. A carta que recebera dias atrás lhe ordenava discrição, além de informar sobre o local da reunião. Não deveria se atrasar.
        Um clarão cortou o céu. Teve receio, mas percebeu que era apenas um relâmpago.
        A chuva estava chegando, pois as estrelas não eram mais vistas no céu...
        Sentiu uma pesada gota de chuva no nariz e apressou os passos para dobrar a esquina. 
        Então, apenas correu em direção à catedral. Observou o frontispício da porta principal que tinha esculpida uma cena futura: Cristo separando justos e pecadores no Juízo Final. Era estranhamente intimidador... 
        Procurou no bolso do hábito religioso a chave que lhe fora entregue. Encaixou-a na porta e girou.
        Respirou fundo, fez o sinal da cruz e entrou...

        O que ele não sabia era que alguém seguira os seus passos...

        Dentro da catedral, frei Albério já se sentia seguro. Ali nada de mal lhe podia acontecer. Os outros já haviam começado, pois o frei já ouvia o som dos cânticos ecoarem por aquelas paredes de pedra.
        Enquanto caminhava pelo templo em direção ao altar, via a luz dos relâmpagos que passava pelos grandes vitrais que contavam a vida de Jesus e dos santos.O cheiro de incensos queimando era suave e aqui ou ali haviam focos de luz gerados pelas velas acesas que os fieis haviam deixado durante o dia. A chuva começara. 
        Todos pararam os salmos e se viraram para Albério.
        Agora não havia mais volta...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Espera


      Ele desejava que a vida lhe sorrisse...
      Que qualquer desconhecido aparecesse e tornasse sua vida menos tediosa.
      Sentado sob a copa daquela árvore ele olhava para o sol que nascia, buscando em si um por quê pra tudo aquilo. Tanta confusão... E a sede de algo... Queria amar? Vivera isso? Sim, e era isso que o prendia...
      A falta de uma parte do coração realmente era sensível...
      Será que aquilo passaria?
      Não sabia... Sentia apenas que cada olhar ou palavra trocada eram definitivamente chamas frágeis de esperança que ainda inflamavam o seu coração...

domingo, 20 de novembro de 2011

O Despertar

       Estava cansado. Queria fugir dos comentários relacionados ao meu defeito. Suavemente me deitei na minha cama. No meu quarto. Em meio ao ambiente com o qual eu realmente me identificava.
       Fugir era meu desejo principal.
       Apenas fechei os olhos e me deixei levar pelo vento que bagunçava a colcha da cama.
       Então tudo silenciou e esqueci de mim...


       -Meu filho... Acorde... Vá tomar um banho para jantar...
       Meus olhos abriram. Estava escuro, já. Via pela janela o céu que pouco a pouco era ocupado por estrelas. Uma brisa leve corria.
       Eu... Consegui descansar. Meu coração relaxara e as preocupações de antes eram vistas de um modo novo e racional.